sábado, maio 13, 2006

Esquerda e Direita: não é tudo a mesma coisa!

“ (...) Com a marca de verdade derradeira e universal tem sido inculcada, de um modo sobremaneira crasso, a ideia da relatividade das concepções do mundo e das opções políticas. Direita e esquerda seriam escolhas tão inócuas e indolores como a pertença a um clube desportivo ou colectividade de barro (...). De há uns tempos para cá instalou-se este fenómeno deprimente no jornalismo (...), uma espécie de tirania da frase em que toda a gente se sente vinculada a repetir as mesmíssimas coisas.
(...) Tende-se a identificar a esquerda com aquele conjunto de atitudes e comportamentos que cabem sob a genérica designação inglesa de fair-play (...). Contra que é que a direita se tem batido? A direita esteve contra o sufrágio universal, contra a liberdade de imprensa, contra a escola laica, contra a liberdade de expressão, contra a liberdade de manifestação, contra o livre-pensamento, contra o divórcio, contra a igualdade das mulheres, contra o preservativo, contra a pílula, contra a descolonização, contra o abolicionismo, contra o fim da pena de morte, contra os sindicatos, contra o movimento operário, em suma, contra tudo o que assinalava, de uma forma ou doutra, progresso e bem-estar.
(...) Para a direira há uma espécie de pólo de atracção, uma querença primitiva e ancestral, a apontar para a exploração, a violência e a humilhação dos outros. Há a preservação titular ou lacaia de um núcleo de interesses, a que a ideia de bem comum é estranha.
(...) Por isso é que me é difícil evitar um sobressalto de estranheza quando ouço alguém, que respeito ou estimo, dizer, a qualquer propósito, que é de direita. Parece-me sempre a incómoda confissão de anomalia, como se essa pessoa estivesse a despojar-se de si, a ostentar defeitos, deformidades, mazelas, com um exibicionismo de pobre de província de outrora (...).
Fica subliminar, indefinida e pesada, uma compaixão muito condoída, uma tristeza pelo outro, uma vontade de não ter presenciado, de ter ouvido ou lido mal, de que ele tivesse dito antes uma outra coisa.
(...) Apetece-me desmenti-las, autoritariamente: «não, você não pode ser de direita, você é um poço de decência, não pode dizer uma coisa dessas».
E a estima fica, apesar de tudo, intacta. Eu posso dar-me ao luxo do fair-play. Sou de esquerda.”

Mário de Carvalho
Escritor
in Le Monde diplomatique

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

mas de que direita estamos a falar? daquilo com que em portugal identificamos como de direita (psd - cds) ou a direita histórica? e estamos a falar de conservadores ou liberais. mas, acho eu, a million dollar question é who cares?
eu se calhar em alguns pontos sou conservador, noutros liberal e muito provavelmente social-democrata (ps ou psd? adivinhem), nao sei se sou comunista mas certamente apoiaria muitas medidas ecologistas (nao sei se das melancias portuguesas - verdes por fora vermelhas por dentro - e que só aparecem nas eleições) e acho que às vezes até sou radical de esquerda.
se temos que catalogar as ideias então inventem novas ou percebam que , como no del.icio.us posso usar várias classificações para um mesmo assunto e eu posso classificar as coisas de forma diferente das de outra pessoa.
cada vez mais me convenço que não só os partidos não nos representam (porque para sobreviverem têm que se diferenciar ou seja indicar em que área se encaixam e por isso eliminam visões alternativas que provavelmente se aplicam melhor a alguns problemas) como também que certas palavras deixaram de ter valor o que não quer dizer que as pessoas percam os seus valores.

segunda-feira, maio 15, 2006  
Blogger fiona bacana said...

achei o "rapaz" do texto um bocadinho maniqueísta...bem vs mal? Ooops, regressou ao operatório-concreto! Ou então, é só + 1 daquelas saudosistas....

terça-feira, maio 30, 2006  

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