segunda-feira, setembro 11, 2006

E porque hoje o Mundo tem os olhos postos nos EUA

Vou colocar alguns excertos de uma carta. A versão integral está aqui.


CARTA de Mia Couto AO RESIDENTE BUSH

Senhor Presidente:

Sou um escritor de uma nação pobre, um país que já esteve na vossa lista negra.
Milhões de moçambicanos desconheciam que mal vos tínhamos feito.
Éramos pequenos e pobres: que ameaça poderíamos constituir?
A nossa arma de destruição massiva estava, afinal, virada contra nós:
era a fome e a miséria.
(...)
um país que não conseguia dormir.
Porque vivia sobressaltado por terríveis factos.
E esse temor fez com que proclamasse uma exigência.
Uma exigência que tinha a ver consigo, Caro presidente.
E eu exigia que os Estados Unidos da América procedessem à
eliminação
do seu armamento de destruição massiva
.
(...)
A lista é tão grande que escolherei apenas alguns:
- Os Estados Unidos foram a
única nação do mundo que lançou bombas atómicas
sobre outras nações
;
- O seu país foi a única nação a ser condenada por "uso ilegítimo da força"
pelo Tribunal Internacional de Justiça;
- Forças americanas treinaram e armaram fundamentalistas islâmicos mais extremistas
(incluindo o terrorista Bin Laden) a pretextode derrubarem os invasores russos no Afeganistão;
- O regime de
Saddam Hussein foi apoiado pelos EUA enquantopraticava as piores atrocidades contra os iraquianos (incluindo o gaseamento dos curdos em 1998);
- Como tantos outros dirigentes legítimos, o africano Patrice Lumumba foi assassinado com ajuda da CIA. Depois de preso e torturado e baleado na cabeça o seu corpo foi dissolvido em ácido clorídrico;
- Como tantos outros fantoches, Mobutu Seseseko foi por vossos agentes conduzido ao poder e concedeu facilidades especiais à espionagem americana: o quartel-general da CIA no Zaire tornou-se o maior em África. A ditadura brutal deste zairense não mereceu nenhum reparo dos EUA até que ele deixou de ser conveniente, em 1992;
- A
invasão de Timor Leste pelos militares indonésios mereceu o apoio dos EUA. Quando as atrocidades foram conhecidas, a resposta da Administração Clinton foi "o assunto é da responsabilidade do governo indonésio e não queremos retirar-lhe essa responsabilidade";
- O vosso país albergou criminosos como Emmanuel Constant um dos líderes mais sanguinários do Taiti cujas forças para-militares massacraram milhares de inocentes. Constant foi julgado à revelia e as novas autoridades solicitaram a sua extradição. O governo americano recusou o pedido;
- Em Agosto de 1998, a força aérea dos EUA
bombardeou no Sudão uma fábrica de medicamentos, designada Al-Shifa. Um engano? Não, tratava-se de uma retaliação dos atentados bombistas de Nairobi e Dar-es-Saalam.
- Em Dezembro de 1987, os Estados Unidos foi o único país (junto com Israel) a votar contra uma moção de condenação ao terrorismo internacional. Mesmo assim, a moção foi aprovada pelo voto de cento e cinquenta e três países.
- Em 1953, a CIA ajudou a preparar o golpe de Estado contra o Irão na sequência do qual milhares de comunistas do Tudeh foram massacrados.
- A lista de golpes preparados pela CIA é bem longa. Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA
bombardearam: a China(1945-46), a Coreia e a China (1950-53), a Guatemala (1954), a Indonésia (1958), Cuba (1959-1961), a Guatemala (1960), o Congo(1964), o Peru(1965), o Laos (1961-1973), o Vietname (1961-1973), o Camboja(1969-1970), a Guatemala (1967-1973), Granada (1983),Líbano(1983-1984), a Líbia (1986), Salvador (1980), a Nicarágua(1980), o Irão (1987), o Panamá (1989), o Iraque (1990-2001), o
Kuwait (1991), a Somália (1993), a Bósnia (1994-95), o Sudão (1998), o Afeganistão (1998), a Jugoslávia (1999) Acções de terrorismo biológico e químico
foram postas em prática pelos EUA: o agente laranja e os desfolhantes no Vietname, o vírus da peste contra Cuba que durante anos devastou a produção suína naquele país. O Wall Street Journal publicou um relatório que anunciava que
500 000 crianças vietnamitas nasceram deformadas em consequência da guerra química das forças norte-americanas.

Acordei do pesadelo do sono para o pesadelo da realidade. A guerra que o Senhor Presidente teimou em iniciar poderá libertar-nos de um ditador. Mas ficaremos todos mais pobres. Enfrentaremos maiores dificuldades nas nossas já precárias economias e teremos menos esperança num futuro governado pela razão e pela moral. Teremos menos fé na força reguladora das Nações Unidas e das convenções do direito internacional. Estaremos, enfim, mais sós e mais desamparados.
(...)
Livrar-nos-emos de Saddam. Mas continuaremos prisioneiros da lógica da guerra e da arrogância. Não quero que os meus filhos (nem os seus) vivam dominados pelo fantasma do medo. E que pensem que, para viverem tranquilos, precisam de construir uma fortaleza. E que só estarão seguros quando se tiver que gastar fortunas em armas. Como o seu país que
despende
270 000 000 000 000 dólares (duzentos e setenta biliões de dólares) por ano para manter o arsenal de guerra. O senhor bem sabe o que essa soma poderia ajudar a mudar o destino miserável de milhões de seres.
O bispo americano Monsenhor Robert Bowan escreveu- lhe no final do ano passado uma carta intitulada "Porque é que o mundo odeia os EUA ?" O bispo da Igreja Católica da Florida é um ex - combatente na guerra do Vietname.
Ele sabe o que é a guerra e escreveu:
"O senhor reclama que os EUA são alvo do terrorismo porque defendemos a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Que absurdo, Sr. Presidente ! Somos salvos dos terroristas porque, na maior parte do mundo, o nosso governo defendeu a ditadura, a escravidão e a exploração humana. Somos alvos dos terroristas porque somos odiados. E somos odiados porque o nosso governo fez coisas odiosas. Em quantos países agentes do nosso governo depuseram líderes popularmente
eleitos substituindo-os por ditadores militares, fantoches desejosos de vender o seu próprio povo às corporações norte-americanas multinacionais ?
E o bispo conclui:
O povo do Canadá desfruta de democracia, de liberdade e de direitos humanos,
assim como o povo da Noruega e da Suécia.
Alguma vez o senhor ouviu falar de ataques a embaixadas canadianas, norueguesas ou suecas?
Nós somos odiados não porque praticamos a democracia, a liberdade ou os direitos humanos.
Somos odiados porque o nosso governo nega essas coisas aos povos dos países do Terceiro Mundo, cujos recursos são cobiçados pelas nossas multinacionais."
(...)
A maior ameaça que pesa sobre a América não são armamentos de outros. É o universo de mentira que se criou em redor dos vossos cidadãos. O perigo não é o regime de Saddam, nem nenhum outro regime. Mas o sentimento de superioridade que parece animar o
seu governo
. O seu inimigo principal não está fora. Está dentro dos EUA.
Essa guerra só pode ser vencida pelos próprios americanos. Eu gostaria de poder festejar o derrube de Saddam Hussein. E festejar com todos os americanos. Mas sem hipocrisia, sem argumentação e consumo de diminuídos mentais. Porque nós, caro Presidente Bush, nós, os povos dos países pequenos, temos uma arma de construção massiva:
a capacidade e pensar.